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sábado, 10 de novembro de 2007

Crocodilo

Marina foi a loja de calçados comprar os sapatos que tanto desejou. Era uma mulher vaidosa, aparentemente forte e independente. Tinha em sua vida profissional o princípio de tudo, e se presenteava com pequenos mimos quando desejava se sentir melhor.
O mimo da vez era um par de sapatos de couro de crocodilo.
Ainda na loja, Marina colocou os sapatos para ver se realmente concluía a compra.
O verde amarronzado brilhante e cheio de estilo do par de sapatos, a fez pensar em questões filosóficas descabidas naquele momento.
“Réptil de grande porte que vive nas águas doces e se transformou em um par de sapatos?”.
Lembrou-se que naquela tarde, negociava um grande e lucrativo contrato, fruto da vitória sobre um concorrente irritante, que a fez trabalhar dia e noite pensando em soluções criativas para ganhar a disputa.
Com a lembrança destes dias passados, se olhou no espelho da loja.
Marina se fez crocodilo, crocodilo se fez Marina.
Viu-se com olhos famintos, sedentos. Seu corpo comprido, pesado, suas unhas longas e firmes.
Marina venceu, matou sua fome.
Saiu da loja com a sacola de grife, sem a mesma satisfação que sentia a minutos atrás.
Marina seria reduzida agora a um par de sapatos?
Pensou no depois, do depois e o depois?
Sentia-se vazia, nas margens do lago lamacento, agora a vitima.
Marina não tinha depois, Marina era uma predadora e nada mais!

Texto publicado nos Anjos de Prata.

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Naturalmente


Sentada nos degraus, na beira da velha porta azul, olhando meus pés descalços que descansam no chão quente de concreto, me sinto segura e tranqüila.
O calor da tarde me acalma, me dá preguiça.
Quando me levanto, sinto o tecido se gastando no chão áspero. Sinto pena do velho vestido.
Caminho para o pé de amoras, que fica próximo aos muros que cercam o quintal da casa. Os galhos finos de folhas delicadas se oferecem com diversas possibilidades. Procuro as frutas grandes e suculentas, mas as vezes estão verdes e azedas. Quando me rendo as menores sempre fico satisfeita.
Na simplicidade deste meu universo, sou o tronco e as folhas delicadas.
Sou o chão áspero e o calor do sol. Sou também a porta e os muros.
As vezes sou a calma e a preguiça, a dor do desgaste.
Sou verde e azeda, hora madura e suculenta.
Sou metamorfose.
O universo cria e recria e eu infalivelmente evoluo.
A velha porto azul nunca se fechará e as folhas ainda que caiam neste chão sustentarão suas próximas gerações.

Eterna idade – Eternidade...
Ontem procurei pelas chaves.
Busquei horas a fio, não as encontrei.

Falta-me ar nos pulmões de pensar na nossa conversa.
Até aquele momento, estava tudo bem no meu mundo protegido por minhas próprias determinações. E de repente, vem você gentilmente me atormentar.
Não quero falar disso agora. Não começa!
Vai começar a doer novamente, e eu, só eu ficarei nesse quintal frio neste tempo chuvoso procurando pela luz daquela estrela.
Poxa, falei pra parar!
Não seja gentil, não fale assim!!
Esqueci as chaves no seu carro. Devolva-me agora!

Entrei no apartamento nervosa.
A pressão na cabeça pesa de mais!
Joguei a bolsa no sofá e fui tomar um banho frio.

Pronto, passou!
Agora vou dormir!
Tiro a roupa na frente do espelho e volto a lembrar da nossa conversa.
Reparo nas curvas vivas do meu corpo.
Percebo que meus seios ainda estão firmes. Gosto deles.
Meu corpo está ávido por contato.
Volta a angustia outra vez!

Agora estou sozinha.
Sinto medo!
Sinto pânico!
Minhas determinações foram todas por água abaixo!

Saio novamente para o quintal.
Ventania, frio e garoa.
Escuridão...
Onde está a luz daquela estrela?